top of page
  • Facebook Social Icon
  • Twitter Social Icon

MERCADO DE ARMAS

Mesmo que não seja aparente, nessa última década o Brasil está tendo participação na compra legal de armas e segue em destaque na 3ª colocação em exportação de armas leves (pistolas, revólveres, fuzis), movimentando cerca de US$500 milhões por ano. Apesar da maior parte ser para comercialização no exterior, nacionalmente temos públicos específicos e a maioria deles relatam a posse por motivos de autodefesa.

Na região da Baixada Santista, mais especificamente na cidade de Santos, a compra legal de armas de uso permitido é possível por meio de uma única loja que já atua no ramo há 53 anos, a Ao Falcão Negro. Vicente Ferreira, proprietário, comenta sobre o perfil dos que procuram a loja ser em grande maioria formada por homens, trabalhadores nas áreas de segurança e vigilância, e que há uma procura pela loja principalmente para o esclarecimento de dúvidas sobre como obter a posse de arma de fogo. O interessado é sujeito à teste psicológico e treinamento administrado pela Polícia Federal para comprovar a capacidade de andar armado(a). O processo é burocrático e pode levar meses, conta Vicente. O comerciante ainda comenta sobre o aumento na demanda conforme o sensação de vulnerabilidade que os cidadãos enfrentam em relação a criminalidade e violência.

Segundo o Relações Públicas e professor Raffael Martins, especialista em Marketing e Pesquisa de Mercado, atualmente o estímulo para a obtenção de arma é por meio das redes sociais onde influenciadores comentam sobre. Há também organizações privadas que defendem a legalização do porte de arma, como o Instituto Defesa e o Movimento Viva Brasil, que instruem como comprar essas armas. “Hoje vemos toda essa ação com uma maior agressividade, onde o desejo de status e vontade de demonstrar que você a possuí vem com muito mais força do que o verdadeiro significado de estar protegido ou seguro”, ressalta Raffael. O mercado nacional de armas, passou por fortes mudanças desde a criação do Estatuto de Desarmamento em 2003, que impulsionava a entrega voluntária das armas de civis. Antes disso, as empresas se mantinham ativas e havia até mesmo propagandas para vendas, apelando para o já existente sentimento de insegurança da população - o que não é permitido hoje em dia. Um dos principais motivadores da criação do estatuto foram os altos índices de homicídio com arma de fogo, o que não modificou significativamente as estatísticas, principalmente por causa do fluxo intenso de armas ilegais compradas no mercado ilícito que entram no país pelas fronteiras.

Raffael Martins aponta o estímulo pelo porte nas redes sociais

Veronica Teresi fala sobre armas e Direitos Humanos

AS ARMAS NO ESPORTE

DESARMAR PARA PACIFICAR? 

A campanha do desarmamento surgiu em 2003, um ano após a criação do Estatuto do Desarmamento. Esta campanha tem como foco incentivar ações de prevenção a violência, buscando estimular os proprietários e portadores de armas de fogo a entregá-las de forma voluntária a qualquer momento em unidades específicas. No Brasil, país da América Latina que mais mata por arma de fogo de acordo com estudos (cerca de 70% de homicídios entre 2001 e 2015), ainda há controvérsias a respeito da legalização, bem como sobre a efetividade da campanha. Mais do que isso: há necessidade da exploração do assunto, que cria diversas linhas de raciocínio. Segundo o soldado da Polícia Militar, Felipe Medina, existem pontos positivos. “É claro que os índices de homicídios irão diminuir se desarmou a maioria da população”, diz. Entretanto, Medina também aponta aspectos negativos, como a persistência do porte de arma ilícito. "Infelizmente, o lado ruim da sociedade continuará armado (...) você desarmou o cidadão de bem, porém o bandido continua armado", complementa. Ainda existe, também, o fator socioeconômico e, de acordo com Medina, a legalização das armas não seria usufruída de maneira igualitária por todas as classes, favorecendo aqueles que possuem maior poder aquisitivo. Sendo assim, as classes menos favorecidas não teriam como bancar o preparo necessário para possuir uma arma de fogo, o que afeta de forma direta os Direitos Humanos.

Com relação aos aspectos dos Direitos Humanos, a advogada e professora da Esamc Santos, Verônica Teresi, explica que “é basicamente pensar no direito de todos à vida e a liberdade. Colocar em risco a segurança e a liberdade seria uma questão contra os Direitos Humanos”.  Segundo ela, não existe a necessidade de armar um cidadão comum, uma vez que é dever do Estado garantir a segurança de todos.

Para outros, este fato não acontece, então cria-se a ideia de uma população armada, que aos olhos de muitos é uma questão se autodefesa. “A defesa faz parte do homem”, acredita o coronel aposentado da Polícia Militar, João Cubas. Afirma ainda que o problema é totalmente cultural, pois a violência faz parte do caráter humano. “O caráter e a educação pesam muito no comportamento das pessoas com ou sem arma.”

Fatores como a violência em abundância e a ineficiência da segurança pública deram início a Campanha do Desarmamento como forma de medida protetiva. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, em um estudo realizado em 2015 demonstram que o Estatuto do Desarmamento ajudou a evitar 121 mil mortes por armas.

Em 1346 surgiram as armas de fogo com o objetivo de uso para guerras e confrontos militares. A ideia de uso esportivo só surgiu quando a prática e poder bélico se tornaram comuns, tendo apoio dos clubes de caça para sua criação.

Em 1814, na Grã-Bretanha foi lançado o primeiro livro com as regras para as competições esportivas e em 871 surgiu a Federação Nacional de Tiro nos EUA. As primeiras práticas usavam as linhas de tiro dos combates. O campo utilizado foi de Chalõns, na França, em 1967, onde foi realizada a primeira prova com fuzis.

No Brasil existem cerca de 175 clubes de tiro. O estado que apresenta o maior número deles é São Paulo com 63. Cada clube possui, além das regras gerais estabelecidas, um estatuto próprio com normas de segurança vigentes para o local. Para obter o porte de arma esportivo existe um processo extremamente burocrático: é necessário passar por testes psicológicos de 3 em 3 anos, obter uma liberação do exército junto com a licença do porte, além de cursos para manuseio. Em Santos, o Clube de Tiro Cubas, localizado no Morro da Nova Cintra, desenvolve as pessoas para a prática a partir de uma capacitação técnica, ensinando o respeito à arma, o uso com responsabilidade e extrema disciplina. Ao todo são 900 atletas denominados como sócios e muitos deles já participaram de campeonatos regionais, estaduais e até mundiais.

João Carlos Cubas, 66, coronel aposentado, explica que todo esporte no qual é utilizado armamento requer concentração e precisão, uma vez que a arma pode ser tanto de ar comprimido, quanto de fogo. Na prática são necessários também equipamentos de proteção - óculos, colete, tampões. No esporte as categorias são divididas em pistola, carabina e tiro ao prato, e cada um dos atletas possui uma especificação de gênero e posição por modalidade. A prática do tiro se tornou um esporte olímpico em 1896, em Atenas. As primeiras olimpíadas aconteceram no século XIX na Suécia e logo se espalharam por outros países, tendo maior destaque Suíça, Dinamarca, França e Estados Unidos. João Carlos completa apontando que o Brasil não é um dos maiores ganhadores, mas vem apresentando destaque nas últimas competições com 3 brasileiros em 1º e 2º lugar, e 1 brasileira como a 1° ganhadora de medalha de ouro.

João Cubas frente ao clube de tiro de Santos 

A posse de arma tem sua raiz histórica ligada à necessidade de sobrevivência. No entanto, seu uso nem sempre é justificado por essa razão. Devido a recentes atentados em países cuja lei armamentista defende a posse, o assunto vem sendo discutido com as mais divergentes opiniões.

Segundo o professor de Filosofia da Esamc Santos, Marcelo Chagas, a arma não é apenas um objeto concreto, um artefato de metal. A arma entra na equação do desejo quando ela se torna símbolo de alguma coisa e essa dimensão simbólica está construída na cultura. E é justamente baseada nessa construção cultural que a posse de arma se torna uma questão atrelada a uma falsa sensação de proteção e segurança.

Ainda assim, a falta de informação científica e estatística, compromete o posicionamento da população em relação ao assunto. “Se por um lado falta informação, por outro lado, sobram ideologias. E a mídia faz um papel bastante importante na difusão dessas ideologias quando elas colocam, como no caso, o Brasil em um estado de alarme e num estado de medo e de terror a partir de situações muito pontuais. O Brasil, por exemplo, não é uma favela do Rio de Janeiro.” acrescenta. Desta forma, é perceptível a existência de uma ideologia que propaga o medo generalizado, despertando uma necessidade que ofusca o entendimento sobre o assunto. Trata-se mais uma defesa psicológica, do que uma defesa de fato.

A respeito do convívio por parte de algumas crianças e adolescentes com a “figura” da arma de fogo, Marcelo Chagas conclui que estamos cercados por uma cultura de violência, dos filmes aos vídeogames. Como um verdadeiro streaming de divertimento, o entretenimento é cercado de violência, especialmente armada. Essa realidade acaba normalizando o armamento, romantizando a arma de fogo. “É claro que a presença da arma real numa casa traz uma ameaça. Tanto do ponto de vista de uma criança, que já tendo o contato simbólico com este artefato pode experimentar a usá-lo, e não vai saber a diferença entre o real e o de brinquedo, quanto a violência doméstica.”, explica Chagas. A arma, então, pode ser observada como um símbolo que não representa apenas segurança, mas que quebra qualquer tipo de pensamento seguro em relação à sua posse quando propicia riscos reais para a população, trazendo questionamentos sobre as consequências por trás de sua liberação.

A REPRESENTATIVIDADE DA ARMA

PERFIL: SERGIO KODATO

Coordenador do Observatório de Violência e Práticas Exemplares da USP de Ribeirão Preto, o psicólogo Sergio Kodato realiza pesquisas sobre as representações sociais, violência, escolas públicas, instituição e criminalização.

Afirma que vivemos uma cultura da vingança baseada no conflito, debate a intervenção militar no Rio de Janeiro e explica a necessidade de pesquisas a respeito das causas no número de homicídios no Brasil. 

TIÊ: O que levou o senhor a trabalhar e se envolver com questões de violência?

SERGIO KODATO: Bom, desde 1988 quando eu entrei para a USP de Ribeirão Preto. Aqui em Ribeirão Preto o alto índice de homicídios, principalmente de adolescentes e jovens, estava alarmando a população. Então quando eu ingressei na USP de Ribeirão Preto, o promotor da infância e da juventude me encomendou uma pesquisa sobre homicídios de adolescentes entre os 10 últimos anos em Ribeirão Preto, onde constatamos, na verdade, que havia todo um esquema de, vamos dizer assim, extermínio e assassinatos de adolescentes por forças para policiais e por outros adolescentes que acabavam cometendo homicídios a mando de outros maiores. A situação dos homicídios estava grave não só em Ribeirão Preto, mas no Brasil como um todo e isso exigia, de uma forma ou de outra, um conjunto de pesquisas para identificar quais eram os fatores causais que ocasionavam esses homicídios. Em função disso, então, que aprovamos um projeto na FAPESP.

T: O que leva um “cidadão de bem” a adquirir uma arma e quais são as consequências?

SK: Bom, antes da aprovação do estatuto do desarmamento no Brasil era muito fácil você comprar armas, ter posse de arma, ter arma dentro de casa, carregar essas armas, mostrar essas armas em local público. Então, isso na verdade acabava fazendo com que as soluções de conflitos muitas vezes fossem resolvidas de uma forma violenta, não negociada. O índice de homicídios vinha aumentando assustadoramente no Brasil como um todo. Para vocês terem uma ideia, de 1983 a 2003 o índice de homicídios aumentou de 14 homicídios a cada 100 mil habitantes para 36.1 para cada 100 mil habitantes. A partir de 2003 então, com a aprovação do Estatuto do Desarmamento, houve uma restrição, tanto para a compra de armas, quanto a circulação de armas. Foi criminalizado o porte de armas ilegais no Brasil e a taxa de homicídios vem caindo desde então. Em 2003, o que era de 36.1, atualmente está em 29.9, ou seja, a primeira estimativa indica que a aprovação do Estatuto do Desarmamento salvou aproximadamente 160 mil vidas neste período. Na verdade, o Estatuto do Desarmamento veio num momento onde os homicídios estavam sendo banalizados no Brasil como um todo e é inegável que houve um avanço muito grande. Na cultura da autodefesa os cidadãos que alegam que é preciso ter arma dentro de casa para se proteger dos bandidos, na verdade, indica que ter arma dentro de casa não garante a sua defesa nas maiorias das vezes.

T: Qual costuma ser o perfil das pessoas que tem posse de arma?

SK: 62% da população brasileira acha que porte e a posse de armas deve ser proibido, mas existe uma minoria que, vamos dizer assim, são críticos do sistema de segurança. Eles entendem também que o sistema de segurança está falido e por isso não garante a segurança a ninguém.  Então, entendem que é direito de eles terem armas dentro de casa para se proteger dos bandidos.  Também são pessoas de perfil conservador, de classe média alta, já que para ter armas tem que ter um certo poder aquisitivo. São pessoas geralmente ligadas ou simpatizantes ao que nós chamamos de “bancada da bala”. Pessoas que tem esse perfil conservador e acham que bandido bom é bandido morto, que são a favor da pena de morte e são a favor da redução da maioridade penal.

T: O número de pessoas que são a favor do porte de arma tem crescido significantemente.  As redes sociais vêm mostrando isso. Elas têm influenciado no pensamento da população?

SK: As redes sociais estão mostrando e denunciando a incompetência do sistema de justiça e de segurança. Estão mostrando que o cidadão está abandonado. Com isso, tem influenciado sim.

T: Alguns candidatos às eleições são a favor do porte de arma. Isso contribui para o forte desejo do cidadão ter uma arma?

SK: Sim. Em função da falta de informação, abandono, falta de segurança e da ignorância da população, os candidatos prometem políticas ilusórias e com isso tem apoio do cidadão.

T: A intervenção federal no Rio de Janeiro contribuiu para a diminuição da criminalidade do porte de armas ilegais?

SK :Não, a intervenção federal no Rio de Janeiro parece que teve objetivos claramente eleitorais no sentido de alavancar a suposta candidatura do atual presidente. Ela foi feita sem nenhum planejamento e não envolveu uma articulação efetiva de todas as forças policiais. Ela é como se fosse uma demonstração para a população de que os problemas de segurança e violência no Brasil só podem ser resolvidos via intervenção, via medidas opcionais. Na verdade, é mais uma forma de iludir a população e criar uma falsa sensação de segurança, uma medida cosmética de saídas puxadas para alegrar a população, mas efetivamente em termos de segurança, controle das armas, não tem resolvido.

T: A população está preparada em questões psicológicas para ter o porte de armas?

SK: Não.  Na verdade, nós vivemos numa cultura da vingança, do olho por olho e dente por dente. A população brasileira na sua maioria, em conflitos pequenos, perde o senso, o sangue esquenta e você pode ver que, sejam nas escolas, seja apenas em universidades, dentro da policia, até no STF, os conflitos estão sendo resolvidos de formas violentas. Se houver efetivamente uma maior liberação, seja no porte, seja na circulação de armas no Brasil, com certeza haverá um aumento não só nos conflitos, mas também no aumento do índice de homicídios.

T: Atualmente tem acontecido muitos casos de violência por armas de fogo nas escolas, principalmente nos Estados Unidos. Se fosse liberado no Brasil, poderia acontecer a mesma coisa?

SK: Sim, pois ultimamente a violência nas escolas tem se alastrado. Os alunos não respeitam mais os professores, não prestam atenção nas aulas, ficam zanzando de lá para cá e no momento precisamos de mediação, negociação, paz e criação de projetos pedagógicos que estimulem a paz e não a violência.

T: O porte de armas garante que o cidadão conseguira se defender?

SK: Não. Os bandidos chegarão em grupos, com armamento potente, e o cidadão com sua arma, que seja pouco melhor que um 38, não vai fazer frente. Exames de balísticas feitos por pesquisadores mostram que o tempo de reação que você vai ter para pegar sua arma e reagir contra o bandido é uma fração de segundo que só um atirador pode conseguir. Essa ilusão de que o cidadão tendo uma arma dentro de casa vai garantir a segurança dele, não vai. Pelo contrário, ele vai se expor ainda mais ao risco. Repito, existe uma série grande de indivíduos que foram vitimizados com a sua própria arma dentro de casa. O que mais tem nos noticiários são acidentes que ocorreram com armas dentro de casa.

T: Como se resolveria a questão da segurança pública?

SK:  Segurança pública é algo que se faz coletivamente. Precisamos de mais postos policiais que trabalhem em conjunto com a comunidade e que a população também contribua. O que não pode ocorrer é convivermos com quatros tipos de polícia que não falam entre si. Temos Polícia Federal, Civil, Militar, Guardas Municipais, Polícias terceirizadas e não estamos tendo segurança nenhuma. Na verdade, precisamos primeiro discutir essa falência do sistema e fazer uma reforma no sistema de segurança e justiça.

bottom of page